Rotações, círculos, ora 78 ora 45, passou e não volta, ora no ar ora no corpo. Uma equidistância bidimensional forçada pela vontade de querer insistir no erro, tal como um disco riscado, erro esse que muitas vezes nos catapulta para o sucesso inesperado. A investigação alia-se à técnica e a música segue, em ranhuras e fendas orquestradas, sobre a agulha que nos leva a norte, guiando-nos para a perceção do que julgamos ser o amanhã mas que, muito provavelmente, com uma incerteza exasperada, talvez já tenha sido o ontem.
Vinil é a mistura da sonoridade analógica com os equipamentos sonoros digitais, que ao mesmo tempo são esses os próprios elementos cénicos. É também a obtenção de novos materiais e objectos para desenvolver padrões visuais, que servem sempre um propósito narrativo, assim como a (re)utilização dos mesmos equipamentos para fins cénicos e coreográficos.
O universo dos célebres Long Play surge como forma de inspiração e são eles queservem de mote para um espetáculo sonoro, visual, virtuosístico, onde a técnica circense se alia à música, a uma narrativa específica e a uma prosaica dramaturgia.
Um intérprete em cena, um disco de vinil gigante de 4 metros de diâmetro a servir de palco, vários gira-discos que tanto servem para tocar vinis como servem para manipular objectos de malabarismo, e o uso de sequências mecânicas rotativas com o propósito de criar novas formas coreográficas que se transformam em pura arte visual.
Um, e apenas um, intérprete multi-tarefado, que toca ao vivo, actua, manipula objectos através do seu corpo e da força da gravidade e que, através de uma dramaturgia minuciosa e aglutinadora de várias formas de expressão, tenta transportar os espectadores para um mundo de entretenimento e contemplação aprazível mas, simultâneamente, para um universo de questionação e da re exão do pensamento cientí co a m de entendermos o hoje para além da nossa pequena bolha social a que cada vez estamos mais submetidos e hipnotizados.
A partir de todo o universo inerente aos discos e alindo-o aos estudos aprofundados do cientista Stephen Hawking sobre os Buracos Negros, usamos e aproveitamos o virtuosismo técnico para nos fazer chegar a ideias e imagens, concretas e cativantes, que nos poderão dar respostas ou, pelo menos, levantar questões acerca deste mundo.
Para além da grande componente dramatúrgica, sonora e da manipulação de objectos para um m estético, Vinil é um espetáculo que propõe falar e questionar, através de metáforas “Hawkianas”, de ética , moral e valores que foram e parecem continuar, cada vez mais, a desaparecer e a auto-mitigarem-se através de uma alegada ignorância e dissimulação premente. Tal como toda a matéria que tem o infortúnio de ser absorvida por um Buraco Negro.
Discos que são usados para “dar” música pela agulha do gramofone, discos que são usados para virtuosos jogos e sequências malabaristicas, discos que são usados para compor música nova e ao vivo através da técnica de “scratch”, discos que são usados para criar ilusões visuais que nos encaminham para um universo poético e de magia.
Tudo gira em torno de um bem comum e os gira discos são os mecanismos que nos permitem iniciar a nossa viagem, em direção à investigação e à exploração de novas formas de fazer música, de fazer teatro e de fazer circo, e, acima de tudo, a junção de todas estas componentes num só corpo limado, pulido e translúcido.
A Companhia Quando Sais À Rua nasce em 2017 sob a direção artística de David Valente. Tem como seu objectivo principal criação de circo contemporâneo, nomeadamente na área do malabarismo, explorando o diálogo directo com a música e o teatro. A sua grande premissa é a transportação do virtuosismo técnico para um campo musical e visual, onde estes se complementam mutuamente. Ao longo destes 4 anos tem apresentado o seu trabalho em palcos como: Festival Dos Modos Nascem Coisas, Festival O Gesto Orelhudo, Festival Sementes, Festival Trengo, Festival i, etc.
Em 2021 estreou, VINIL, a sua mais recente produção co-produzido com o Festival de Circo TRENGO.